APELAÇÃO DESPROVIDA.
APELAÇÃO CÍVEL
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Nº 70057615551 (N° CNJ: 0486182-60.2013.8.21.7000)
COMARCA DE JAGUARÃO
COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA CEEE D
APELANTE
FELIPE ENSSLIN DAWAS
APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover a apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANÍBAL E DES. NEWTON LUÍS MEDEIROS FABRÍCIO.
Porto Alegre, 26 de novembro de 2014.
DES. IRINEU MARIANI,
Relator.
RELATÓRIO
DES. IRINEU MARIANI (RELATOR)
COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUICAO DE ENERGIA ELETRICA CEEE D interpõe apelação da sentença que julgou procedente o pedido objeto dos embargos de terceiro opostos por FELIPE ENSSLIN DAWAS, visando a declaração da impenhorabilidade do imóvel penhorado na execução movida pela apelante em face do pai do apelado (fls. 88-90).
Nas razões (fls. 92-100), alega a ilegitimidade ativa do apelado porque, embora o contrato de doação feito do executado ao seu filho tenha ocorrido em data posterior ao ajuizamento da execução, não foi levado a registro, razão pela qual o proprietário do imóvel continua sendo o executado. Refere que somente o proprietário do imóvel poderia postular a desconstituição da penhora. Destaca a ocorrência de fraude à execução, independente do registro ou não da penhora já efetuada quando da doação, pois se presume que o filho era sabedor da situação de seu pai.
Recebido o recurso (fl. 102), houve contrarrazões (fls. 105-11).
A douta Procuradora de Justiça opinou pelo desprovimento (fls. 113-22).
É o relatório.
VOTOS
DES. IRINEU MARIANI (RELATOR)
Por um lado, é incontroverso que, após a execução contra Fahkre Goulart Dawas, este fez, junto com a ex-esposa de Alma Cristina Santos Ensslin, a doação do imóvel residencial ao filho, então de menoridade, Felipe Ensslin Dawas, com reserva de usufruto à mãe deste, isto é, Alma Cristina.
Por outro lado, é também incontroverso que tal foi ajustado quando da separação do casal, consoante gizado na sentença do eminente Dr. Fernando Alberto Correa Henning, que esgotou o exame da matéria (fls. 88-90), bem assim que o imóvel continua servindo de residência de ambos.
Dito isso, evidencio dois aspectos.
1. Legitimidade ativa ad causam. Não há como negar legitimidade ativa ad causam do embargante-donatário na defesa de seu interesse e posse (CPC, art. 3º). É irrelevante o fato de a doação ainda não ter sido registrada na escrivania imobiliária, pois se aplica o princípio da Súm. 84 do STJ, outra particularidade bem evidenciada na douta sentença.
2. Mérito. A impenhorabilidade se propagou, não havendo, pois, falar em fraude à execução.
Peço vênia para transcrever o voto que proferi no AgIn 70 002 702 124, no qual referido precedentes do STJ:
Inegável que o agravante, após citado, vendeu o imóvel. Acontece que o imóvel servia-lhe de habitação, portanto, impenhorável face ao processo executório fiscal em andamento, e por conseguinte fora da possibilidade de ingressar na execução.
Pergunta-se: quem, após citado, vende bem impenhorável, comete fraude à execução?
É sabido que, quando da edição da Lei 8.009/90, formaram-se duas correntes quanto à sua aplicação às penhoras já realizadas. Uma, entendendo pela subsistência, face à garantia do ato jurídico perfeito; outra, pela não-subsistência, por se tratar a penhora de ato gerador de mera expectativa de direito, pois em nada altera a propriedade do devedor, inclusive após designada a praça. Assim, excluídos da incidência da nova lei só mesmo os casos de arrematação ou adjudicação já procedidos.
Certamente num processo em que prevaleceu a tese da subsistência, ou num caso em que o próprio devedor nomeou à penhora bem residencial – o que é válido, pois entende-se que o direito não é irrenunciável –, a 3ª Turma do STJ, em 1995, decidiu que a venda caracteriza fraude à execução (RT 727/134).
A hipótese em exame, porém, é diversa.
Não houve penhora justamente porque o devedor morava no imóvel. Pelas tantas, resolveu vendê-lo. Então, o credor pediu a penhora, e a teve deferida, sob a alegação de caracterizar fraude à execução.
Em primeiro lugar, é tranquilo hoje na jurisprudência o entendimento de que não é imprescindível que o casal ou a entidade familiar resida no imóvel. Este pode ser objeto de locação a fim de produzir rendas para pagar aluguel e para a sobrevivência. Exemplos: do STJ, REsp. 98.959, de 16-12-96, e REsp. 159.213, de 21-09-99, REsp. 96.046, em RJSTJ 122/61; de tribunais estaduais, RT 749/376 e 752/224.
Ora, se para ter o direito à impenhorabilidade não é imprescindível morar no imóvel, por lógica não pode ser condição, a fim de que não reste caracterizada fraude ao processo executório, que o devedor permaneça proprietário, até porque estar-se-ia criando nova hipótese de inalienabilidade, pelo menos temporária, não prevista na legislação civil.
Em segundo lugar, se o imóvel é impenhorável, portanto, é coisa fora da execução em tela, não é arrecadável pela execução em curso, também por lógica não se pode dizer que a sua alienação caracteriza fraude à execução, seja pelo art. 593 do CPC, seja pelo art. 185 do CTN.
A exclusão da fraude só não vige face às execuções em que a própria Lei 8.009 excepciona, vale dizer, as situações do art. 3º, por exemplo, crédito de trabalhador na própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias, crédito de pensão alimentícia, aquisição com produto de crime e crédito de execução de sentença penal condenatória.
Por isso, correto o entendimento esposado por esta Câmara no precedente invocado pelo agravante, do qual foi relator o eminente Des. Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, cuja ementa diz: “Alienação de imóvel, preexistente execução fiscal contra o alienante, é causa objetiva de fraude à execução. Tratando-se o imóvel alienado de bem impenhorável, a tese de que, não garantindo crédito tributário, não há falar em fraude à execução, tem forma aparente de juridicidade.” (RJTJRS 188/218).
Não excluo a possibilidade de penhorar o produto da alienação, se, por exemplo, com ele não for adquirido outro imóvel para morar, ou penhorar eventual excedente, ou ainda se não é usado sequer para pagar aluguel de imóvel residencial. Mas não é isto que se discute no caso. O que o agravado quer é, pura e simplesmente, que a alienação de imóvel impenhorável por si só caracterize fraude ao processo executório, o que não é possível, conforme demonstrado.
Acrescento, ainda, a ementa da Ap 70 050 163 346, da qual igualmente fui relator: “Apelação cível. Execução fiscal. Embargos à penhora. Possibilidade (CPC, art. 745, II). Imóvel residencial. Subsiste a impenhorabilidade se o imóvel é alugado para custear o aluguel de residência em outra cidade. precedentes da câmara e do STJ. apelação desprovida.”
3. Dispositivo. Nesses termos, desprovejo.
DES. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANÍBAL (REVISOR)
Quanto à legitimidade ativa do apelado não há como deixar de reconhecer, pois a Súmula n.º 84, do Superior Tribunal de Justiça é aplicável no caso dos autos.
No que tange ao mérito, ao discorrer sobre o instituto da fraude à execução, utilizo-me dos ensinamentos Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, conforme seguem:
Consiste na alienação ou oneração de bem do devedor, na pendência de ação judicial capaz de levá-lo à insolvência (CPC 593 II). Essa ação pode ser de conhecimento ou de execução. O devedor tem ciência de que pende ação contra ele, mas, mesmo assim, aliena ou onera o bem, fraudando a execução. É ato atentatório à dignidade é a administração da justiça, muito mais grave que a fraude pauliana. Na fraude contra credores o prejudicado direto é o credor; na fraude de execução o prejudicado imediato é o Estado-juiz. A existência de fraude de execução enseja a declaração, pura e simples, da ineficácia do negócio jurídico fraudulento, em face da execução (Araken. Coment. CPC, VI, n. 98, p. 225). Não há necessidade de ação autônoma nem de qualquer outra providência mais formal para que se decrete a ineficácia de ato havido contra a execução. Basta ao credor noticiar na execução, por petição simples, que houve fraude de execução, comprovando-a, para que o juiz possa decretar a ineficácia do ato fraudulento. Nesse caso pode o juiz determinar que a penhora recaia sobre o bem de posse ou propriedade do terceiro, porque o bem vai responder pela obrigação executada. O bem continua na posse ou propriedade do terceiro, mas para a execução a oneração ou alienação é ineficaz. O bem, no patrimônio do terceiro, responde pela execução: o produto de sua alienação em hasta pública é revertido para satisfazer o crédito e o que sobejar retorna ao terceiro, proprietário do bem. Ao contrário do que ocorre com a fraude pauliana (STJ 195) a fraude de execução pode ser alegada e reconhecida nos embargos de terceiro [...].[1]
É incontroverso o fato de que nos autos não está comprovada a ocorrência de fraude à execução. Nesse sentido, explica o douto magistrado a quo, cujo entendimento transcrevo com a devida vênia:
“[...] a escritura pública de doação com reserva de usufruto celebrada pelo devedor em favor do embargante e de sua mãe foi lavrada em 05 de julho de 2010 (fl. 15), ao passo que a própria ordem de penhora do bem só teve lugar quase dois anos depois.
[...]
Contra isso, contudo, podem-se destacar dois fatos: o primeiro é o de que aqui se tem doação entre pai e filho, vínculo estreito que sugere que talvez o filho tivesse ciên¬cia das dívidas de seu pai e da circunstância de que a doação poderia desfalcar o pa¬tri¬mônio deste a ponto de prejudicar seus credores; e o se¬gun¬do é a circunstância de se ter, no caso, transmissão a títu¬lo gratuito, o que reforçaria a ilação de má-fé.
O juízo, no entanto, não crê que esses fatos sejam razão para rejeitar estes embargos de terceiro. É que, ainda que o vínculo familiar e a celebração de transmissão gratui¬ta normalmen¬te apontem para a possibilidade de fraude, no caso específico des¬tes autos há elemento adicional que afasta essa ilação. Com efeito, há prova nos autos de que o pai e a mãe do embargante estavam separados judicialmente desde abril de 2007 e que, ao ajustarem a sua separação, já haviam previsto a celebração da doação do imó¬vel a seu filho (ora embargante) e a constituição do usufruto em fa¬vor da mãe deste (cf. Termo de Audiência da fl. 18). Não há assim ne¬nhu¬ma aparência de fraude no caso concreto, mas de celebração de um negócio cuja estrutura é comum em situações de separação judicial e que já se achava entabulado há muito. Na circunstância es¬pecífica destes autos resulta impossível reconhecer má-fé com ba¬se ex¬clu¬si¬va no pa¬ren¬tesco e na natureza gratuita do negócio.
De todo modo, e para além disso, a verdade é que o negócio foi celebrado antes da penhora e, dada o seu prévio ajuste por ocasião da separação dos pais do embargado, antes mesmo da propositura da execução, cuja distribuição, segundo o credor, deu-se em 25/05/2009 (fl. 63).
[...].”
Inexistente, portanto, prova de que ocorreu fraude de execução no caso dos autos. Não se desincumbindo a apelante desse ônus, por força do disposto no art. 333, inciso II, do Código de Processo Civil, a improcedência da ação se impõe.
ISSO POSTO, acompanho o voto do eminente relator.
É o voto.
DES. NEWTON LUÍS MEDEIROS FABRÍCIO - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. IRINEU MARIANI - Presidente - Apelação Cível nº 70057615551, Comarca de Jaguarão: "À UNANIMIDADE, DESPROVERAM."
Julgador(a) de 1º Grau: FERNANDO ALBERTO CORREA HENNING
Disponível no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul